denise patrícia olhou uma depois da outra para as quatro ou cinco páginas de linhas escritas e riscadas e enfiou-as de volta dentro do caderno. ralhou consigo bufando como ralha um diretor com o mau ator.
denise patrícia irritava-se com a falta do que dizer e ainda mais com a falta do que inventar. se perguntava e se perguntava onde estavam as histórias, simples e honestas, complexas e profundas, onde estavam as pessoas das histórias, os vencedores e os castigados, onde estavam as cenas de bela poesia muda e os roteiros de meandros surpreendentes. denise patrícia pensava e pensava, mas seus pensamentos apareciam como esqueletos sem carne e sem sangue. esqueletos dançantes sem coração e sem cérebro que a punham assombrada sempre que se anunciavam em frases na folha diante dela. denise patrícia parecia não conseguir mais espantar os esqueletos, parecia não conseguir mais com suas histórias matar o que desejava.
com olhos de vago desgosto, olhava pro caderno fechado, sonhando. olhava a betty boop sensualmente surpresa com as bolhinhas de sabão estourando em seu traseiro na capa, sonhando. e lhe voltava à boca o sabor secreto e proibido de ver o caderno tornado uma daquelas relíquias literárias fetichistas, o caderninho de estimação da garnde grande escritora. e se perguntava quando quando? mas as grandes histórias não vinham; vinha apenas o peso dos sorrisos dos leitores; pesavam como gatos pesados como trens pesados em seu colo o eco de suas vozes, satisfeitas, e a auspiciosa adivinhação das palpitações lisonjeiras que provocaria com cada um de seus parágrafos. e denise patrícia sentia-se pungir, porque esse desejo sempre lhe pareceu a declaração da derrota final.
tomou na mão o caderno e o folheou devagar com o ar abalado de quem ouve uma canção triste, relendo e fatalmente procurando - nos antigos contos acabados, um estilo; nos inacabados, boas intenções; nos desenhos rabiscados, projeções espirituosas de seus humores; nas suas confidências, sentimentos selvagens. qualquer feito com seu nome escrito ou, pelo menos, mesquinhezas valorizadas com a posteridade.
mas o que denise patrícia encontrou foram frustrações. comparou-se com a denise patrícia do histórico de seu caderno, com uma antiga denise patrícia fudida mas esperta e senhora de suas fantasias, com uma denise patrícia que já sentia não existir mais - e se frustrou. o que encontrou foram as novas sementes plantadas que se recusavam a crescer em árvores frondosas e coloridas como as árvores de antes. e denise patrícia voltava e voltava ao pomar ultimamente, checando e checando as malditas sementes. e quando dava por si chorando como agora sobre os brotos mal saídos, se maldizia com a desgraça de um jardineiro incompetente.
fechou o caderno chateada consigo, principalmente por andar tão chateada consigo: de alguma forma, sabia que não era justo. olhou pra fora da janela e suspirou, entre melancólica e aborrecida. queria fechar os olhos. queria esquecer as histórias por enquanto. queria esquecer a recompensa que eram elas. queria ir passear na beira do lago. queria ir passear na beira do lago com jorge, tomar sorvete e ver o pôr-do-sol do dia quente ao lado dele, deitar na grama e receber dele beijinhos na barriga. ai. ia ligar pra jorge. ia tomar coragem e ia ligar.
fechou o caderno chateada consigo, principalmente por andar tão chateada consigo: de alguma forma, sabia que não era justo. olhou pra fora da janela e suspirou, entre melancólica e aborrecida. queria fechar os olhos. queria esquecer as histórias por enquanto. queria esquecer a recompensa que eram elas. queria ir passear na beira do lago. queria ir passear na beira do lago com jorge, tomar sorvete e ver o pôr-do-sol do dia quente ao lado dele, deitar na grama e receber dele beijinhos na barriga. ai. ia ligar pra jorge. ia tomar coragem e ia ligar.
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