terça-feira, outubro 25, 2005

everything hits at once

há momentos em que a gente deseja que tudo o mais encolha quando estamos envolvidos com algumas pequenas coisas. ou com algumas grandes coisas. que o resto das preocupações, dos deveres cívicos, que o resto dos conflitos pessoais e globais, que as demandas diárias do nosso corpo e da civilização, que os engajamentos do mundo se resolvam enquanto a gente reza pra que eles se resolvam - para então nos dedicarmos a certas causas particulares, para que não nos pareça tão assustadora a idéia de que há tanto por fazer nessa terra. enquanto a gente acha que só pode fazer tão pouco. mas tem um negócio que diz que everything hits at once.
houve um tempo em que - eu estava certo - meu destino era morrer de amor. um momento em que era divertido brincar com a idéia de que tudo o mais se apagasse e só aquela luz se acendesse, de modo que essa fosse mesmo minha missão ------ viver para amar e eventualmente morrer de amor. ou escorregando no banheiro, valia também, desde que tivesse tido a chance de encontrar a paz naquele sentimento quando chegasse o dia. houve um tempo em que eu me sentia envolvido com essa grande coisa, em que eu não sabia não estar apaixonado, em que o meu medo era deixar de sangrar aquele doce recheio de bubbaloo que saía de meu peito, em que o resto do mundo não se apagava -- mas que ainda assim havia a luz. um tempo em que todos os meus poemas eram de amor, e que me inspirar em suas vicissitudes era como o meu dom.
claro. um idealista /como eu sempre achei que fui não podia dar margem ao pensamento de me render. um idealista existia para morrer pela causa, sem concessões. eu não concebia o sacrifício por mais nada além do amor. emprego, carreira, causas sociais, nada disso. e era como se tudo isso fossem distrações a me roubarem a energia. amar era tudo o que eu queria e o amor era o que eu sabia sentir de melhor. e eu o fabricava e fabricava e o guardava e guardava e - numa proporção menor - o usava e usava, como uma abelha e sua cera.
e no fundo, como uma abelha, eu não devia querer saber dos problemas do mundo, pois que minha única preocupação e dever deveria ser o ofício da cera. as guerras deveriam acabar. a matança das baleias deveria acabar. toda aquela coisa de camada de ozônio e crises econômicas e pandemia de ansiedade - nada dessas coisas deveria existir. no fundo, eu queria que o mundo me esquecesse, que não contasse comigo pra soldado. não haveria de haver causas pra mim, além do amor. não deveria haver nada que eu devesse compreender além de a mim mesmo o bastante, de modo que aquela cera fosse realmente resistente. de modo que eu soubesse o que era isso que eu estava entregando aos meus amantes.
e houve um tempo em que a minha roda da vida girava pela sorte entre ter e não ter onde usar a cera, entre ter e não ter aqueles amantes, entre me amaldiçoar em angústia ou me aliviar em delícia por conta de alguma fantasia com um grande amor. com a colméia em que eu fosse a rainha. sonhar com o grande amor me punha para baixo e para cima num mesmo ritmo. num ritmo que mantinha o meu espírito num estado sobre o qual eu possuía algum controle e alguma recompensa. num estado de equilíbrio. entre a febre de morrer pela causa romântica, encolhendo o resto do mundo, e o sonho alegre de ser a pessoa de alguém, querendo abraçar o mundo enorme para então dá-lo ao outro.
as fantasias com o grande amor eram o meu cérebro. controlavam da cabine o prazer e a dor, faziam contas de matemática e pintavam quadros. e SER o grande amor era a minha fornalha. porque, na expectativa pelo grande amor, eu tentava ser um grande amor eu mesmo. e então sabia que devia me entregar aos problemas do mundo de algum jeito. lutar pela paz, salvar as baleias e a camada de ozônio. ser um grande amor era a idéia por trás de ser um grande cara. o idealismo passava então pelo sacrifício. e como todo sacrifício é mesmo uma maldição, algumas vezes tudo cansava. o mundo me cansava. a civilização me cansava. mas ao mesmo tempo o amor, não importa o tanto de viadagem que essa sensação pareça carregar, sempre foi um bálsamo. porque me enchia a alma de beleza e, sem querer, no meio de todo o delírio, me obrigava a crescer. e assim eu olhava pro espelho e via um cara consciente, cúmplice e apaixonado ------ as melhores coisas que eu já me senti nessa vida.
mas aí a vida passa, as coisas acontecem, as luzes se apagam e se acendem e vice-versa, o tempo todo. e hoje há essa lacuna em mim. e eu tristemente sinto que talvez não seja um grande amor a encaixar-se nela. a roda da vida gira e meus olhos não brilham quando a casinha com o coração desenhado passa pela agulha. e não porque não seja em forma de coração essa lacuna. mas porque talvez o único coração a encaixar-se nela seja o meu próprio. e onde está o meu coração agora - é o que eu tenho me perguntado. onde está o meu coração?